quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O monge e a carruagem




A quem se pergunta sobre o conceito do não-eu, aqui vai uma história tradicional da Índia, contada por Rajneesh:

O monge Nagsen foi chamado pelo Imperador Milimd para tomar parte de sua corte. O mensageiro procurou Nagsen e disse:
-- Nagsen, o Imperador gostaria de vê-lo. Estou aqui para convidá-lo.

Nagsen respondeu:
-- Se você quer que eu vá, eu irei. Mas, perdoe-me, não existe nenhum Nagsen aqui. Esse é só um nome, um rótulo útil.

O mensageiro contou ao Imperador que Nagsen era um homem muito estranho; ele dissera que viria, mas que não havia nenhum Nagsen ali, que esse nome era apenas um rótulo útil.
-- Estranho – comentou o Imperador – Mas, se ele diz que vem, então virá.

Nagsen chegou pontualmente, na carruagem real, e o Imperador o recebeu nos portões do palácio.
-- Bhikshu Nagsen, seja bem-vindo!

Ao ouvir isso, o monge começou a rir.
-- Aceito sua hospitalidade como Nagsen, mas peço que não se esqueça de que não há nenhum Nagsen aqui.

-- Você fala por enigmas – retrucou o Imperador – Se você não está aqui, então quem chegou ao meu palácio? Quem está aceitando minhas boas-vindas? Quem está falando comigo?

Nagsen olhou para trás e perguntou:
-- Não foi essa a carruagem, Imperador Milind, que me trouxe até aqui?
-- Sim, foi essa mesma.
-- Por favor, soltem os cavalos.

Os cavalos foram então soltos.

Apontando para os cavalos, o monge perguntou:
-- Eles são a carruagem?
-- Como os cavalos podem ser a carruagem? -- perguntou, por sua vez, o Imperador.

A um sinal do monge, os cavalos foram levados, assim como as peças que os atrelavam à carruagem.
-- Essas peças são a carruagem?
-- É claro que não, são as peças de atrelagem, não são a carruagem.

Em seguida as rodas foram removidas e Nagsen perguntou:
-- Por acaso as rodas são a carruagem?
-- Essas são as rodas, não a carruagem, respondeu o Imperador.

O monge continuou, mandando que removessem, uma a uma, as outras peças da carruagem, fazendo sempre a mesma pergunta ao Imperador. A resposta era sempre a mesma: “Essa não é a carruagem”.

Quando não restava nada da carruagem, o monge perguntou:
-- Onde está a carruagem agora? Cada vez que uma peça era retirada você dizia “Essa não é a carruagem”. Diga-me, então, onde está a carruagem agora?

A revelação surpreendeu o Imperador. Não havia ali carruagem nenhuma e, à medida que as partes eram removidas, não se podia dizer que alguma delas fosse a carruagem.

-- Você compreendeu? – continuou o monge – A carruagem era apenas um acúmulo, um amontoado de coisas. A carruagem não existe por si mesma, não tem um ego; ela é só uma combinação.


(História publicada no Jornal do Yoga, Campinas, Abril-Maio de 2004)
Retirada do blog sensacinal: http://paraserzen.blogspirit.com/